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3. No socorro às vítimas

Um olhar acabou de recair sobre a realidade das crianças e adolescentes a quem a sociedade atribui a autoria de um ato infracional. Agora um novo olhar se volta para aqueles que são vítimas de abusos, de maus tratos, de negligências ou de exploração por parte do mundo adulto. Estaremos abordando três situações mais específicas e que nos parecem as mais gritantes enquanto práticas do mundo adulto: trabalho infantil, violência sexual contra crianças e adolescentes e mortalidade infantil.

São as crianças e adolescentes impedidos de viver sua infância. São muitas as faces dessa violência. Neste momento nos deteremos apenas nas três dimensões acima referidas. Poderíamos abordar ainda os fatores da gravidez na adolescência, do consumo e comércio das drogas, das mortes por causas externas, da violência doméstica contra os pequenos. Não o faremos levando-se em consideração a limitação do espaço disponível para abordagem em questão. Buscamos então identificar três fatores que, na nossa ótica, são contundentes no estudo da vitimização da infância no Brasil. E em todos eles o que se percebe é que quase sempre a sociedade tem dificuldades de erradicar esses males; os motivos são diversos como veremos.

3.1. O trabalho infantil

O ECA dá ênfase à escola. E condena qualquer trabalho aos menores de 16 anos de idade, e permite aos 14 anos de idade desde que na condição de aprendiz. A educação é vista como direito fundamental como forma de proteção integral e de pleno desenvolvimento de sua pessoa, ale do preparo para o exercício de sua cidadania e qualificação para o trabalho. (Art.53) O direito à educação significa não apenas o ingresso na escola, mas sua permanência e o sucesso da presença.

A Organização Internacional do Trabalho-OIT, através de suas Convenções 138 e 182, ambas ratificadas pelo Brasil, define como proposta mundial a erradicação do trabalho infantil. E o Brasil criou em 1999 o Fórum Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil. Em 1998 foi realizada a Marcha Global Contra o Trabalho Infantil contando, no Brasil, com o grande envolvimento da Pastoral do Menor que organizou uma marcha à Capital Federal, Brasília, com mais de 5000 crianças e adolescentes deslocadas de todas as regiões desse imenso Brasil. Desse movimento participaram crianças e adolescentes atendidos nas obras dos Josefinos com ampla mobilização de forças sociais e políticas. O apoio da imprensa e a divulgação das ações foi fazendo crescer cada vez mais a consciência de que “o lugar da criança é na escola”, bem como, “que o trabalho da criança é a tarefa da escola”.

Na década de 1990 o país contava com cerca de 7 milhões de crianças e adolescentes trabalhadores5. A maioria delas não estudava e tinha como tarefa ajudar na manutenção de suas famílias. Os índices de trabalho infantil mais acentuados voltavam-se para a tarefa de quebrar pedras, corte de cana de açúcar, carvoarias, e as cerâmicas para o fabrico de tijolos. Nas zonas urbanas ele também acontece e quase sempre está relacionado aos pequenos serviços de vendas de objetos, de entrega de mercadorias ou de guardadores de carros6.

O país vem conseguindo erradicar esse malefício à infância, mas ainda não atingiu os índices considerados toleráveis. A criação de programas do governo federal que financiam a saída do trabalho para a entrada e permanência na escola tem auxiliado na diminuição daqueles índices. Bem como, a consciência de que o país deve gerar trabalho e renda para os pais dessas crianças é outra face da nova política.

3.2. Violência Sexual contra crianças e adolescentes

O fato da prática de violência, abuso e exploração sexual contra crianças e adolescentes ganhou espaço e expressão política no Brasil a partir da década de 1990. Foi quando esse fenômeno como tema entrou na agenda nacional como fruto da nacional e internacional pelos direitos humanos e pela defesa e garantia dos direitos da mulher e de crianças e adolescentes. Vale destacar nesta luta a mobilização da sociedade civil através da criação de fóruns de defesa pressionando os mais diversos órgãos para a inclusão da temática na agenda pública brasileira. Criaram-se campanhas, realizaram-se seminários e encontros nacionais e internacionais, pesquisas foram feitas, criou-se um programa de disque-denúncia (telefone especial), articulou-se um Fórum Nacional pelo fim da Violência Sexual contra crianças e adolescentes. Em 2000 foi elaborado um Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Infanto-Juvenil com a articulação do Ministério da Justiça.

Os estudos e as pesquisas realizadas no país comprovaram a existência de redes de exploração sexual infanto-juvenil e serviços muito bem montados para ludibriar e enganar autoridades, incluindo: abusos, pornografia, prostituição, tráfico e sexo-turismo. As denúncias apuraram índices que apontam para dados tais como: que cerca de 86,29% dos abusadores ou aliciadores não tinham vínculo com a vítima, sendo que 13,71% possuíam algum grau de parentesco ou vínculo de responsabilidade com a mesma. As maiores vítimas residiam nas regiões mais Sudeste e Nordeste do país, quase sempre agregadas a índices de pobreza e miséria. E nas classes de baixa renda, a ameaça do abusador se faz pela violência física e psicológica; nas demais classes pelo jogo da sedução. Mas é o pacto de silêncio entre o abusador, a vítima e a mãe que está presente em todas as categorias sociais, tornando difícil o exercício das estatísticas. Mas existem dados de 1996, levantados por entidades não governamentais, que afirmam a existência no país de 9,1 milhão de crianças que são vítimas de abuso sexual e que 80% são do sexo feminino. Além disso, que a metade dos estupros ocorridos são incestuosos, sendo que 75% desses casos acontecem entre pais e filhas. Essas meninas, sofrendo abusos sexuais, na maioria das vezes, ou são expulsas, ou fogem de casa, sendo acolhidas por exploradores sexuais ou clientes7.

Por sua vez, o turismo sexual encontra suas maiores praças nas capitais do nordeste brasileiro atraídas por turistas estrangeiros provenientes de países europeus como: Alemanha, Itália, Bélgica e França. As cidades brasileiras que atingem os índices mais alarmantes são: Salvador, Fortaleza, Recife, Natal, Aracaju e Maceió no Nordeste. No norte o fenômeno se repete nas cidades de Belém e Manaus. No Recife o sonho das meninas era casar com alemães, colocando-se à disposição dos mesmos em agências de viagens oficiais ou clandestinas em praias e shoppings centers. Raramente os casamentos se realizam mas as meninas continuam na prostituição esperando pelo dia em que o sonho se realize. Em Fortaleza a exposição de meninas acontece na Avenida Beira Mar onde se faz a verdadeira exposição de “carnes aos turistas”. Mas o abuso sexual não é privilégio apenas das cidades do norte e nordeste. Em Brasília ou nas grandes capitais do sudeste e do sul esse mal se reveste de outros requintes como leilões e classificados de ofertas com a presença de muitas adolescentes. O mal se reveste da mesma perversidade.

Os estudiosos tem percebido que essa prática coloca em jogo não apenas um corpo da criança, mas três corpos: o biológico, o emocional e o social. E, com certeza, se pode afirmar que o emocional é o mais vulnerável e o mais sujeito à dor e às marcas da violência adulta. Muitas dessas marcas serão carregadas pela vida toda. Neste sentido o desafio que se coloca a nós, os educadores e pastoralistas está exatamente em estar atentos e perceber os gritos de socorro que está por trás dos pequenos sinais, dos olhares tristes e dos gestos temerosos. Porque muitas vezes o que ainda restou de esperança para muitas crianças é o socorro que pode vir daquela professora ou daquele educador que ela encontra na escola, na catequese, ou no grupo juvenil. E aí é preciso denunciar; com coragem para estar do lado dos pequenos e na convicção da necessidade de combater tão nefasto crime.

3.3. Mortalidade infantil

A mortalidade infantil é o resultado do número de crianças que morrem antes de completar um ano de vida em cada mil que nascem vivas. . Por outro lado, afirmam os estudiosos sociais, a estrutura de mortalidade infantil é expressão da desigualdade de acesso a bens e serviços propiciados pelo desenvolvimento econômico, científico e tecnológico.

Quando se analisa o nível de desenvolvimento humano de um país, é necessário que se faça um estudo de vários indicadores sociais, mais especificamente os percentuais sobre a condição de saúde, educação e expectativa de vida. Então, um dos indicadores importantes para a análise do Índice de Desenvolvimento Humano-IDH é a mortalidade infantil.

Costuma-se dizer que os elevados índices de mortalidade infantil no Brasil e no mundo tem sua origem no rendimento familiar que afeta a quantidade e a qualidade da alimentação, bem como, as condições médico-sanitárias, por exemplo: falta de pavimentação de ruas, esgoto, água potável, moradia. A renda, então, um dos fatores mais determinantes sobre o número de óbitos. No Brasil, as regiões em que as camadas da população estão numa linha de baixa renda os índices de mortalidade são maiores do que naquelas onde a renda média da população é maior.

O Brasil estabeleceu metas para a redução da mortalidade infantil querendo chegar em 2015 com 15,6%o. Porém, é a concentração dos recursos em determinadas áreas e grupos sociais específicos que foi e  tem sido um sério obstáculo a que se consigam maiores avanços na redução dos níveis da mortalidade, especialmente a infantil, na maioria dos países do Terceiro Mundo. No Brasil, em particular, o modelo de desenvolvimento que vem vigorando ao longo dos anos, tem sido altamente excludente e concentrador de renda, dos recursos e serviços, em determinadas regiões e estratos sociais. A partir de meados da década de 70, o Estado brasileiro vem patrocinando algumas medidas de ações compensatórias (como saneamento básico, programas de saúde materno-infantil, imunização e ampliação da oferta de serviços médico-hospitalares descentralizados) coincidindo com um período em que se observam fortes declínios dos níveis médios da fecundidade brasileira, que vêm tendo impactos positivos sobre a sobrevivência dos grupos infantis, e também sobre as condições de vida e de saúde da população em geral.

Mas, no Brasil, é graças a uma importante intervenção da sociedade civil, através de um serviço da Igreja Católica, a Pastoral da Criança, que os índices de mortalidade infantil junto às populações da periferia tem diminuído. Baseando-se num programa simples e barato que acompanha as mães gestantes e as crianças recém-nascidas tem sido possível desenvolver ações de saúde para ambas. As intervenções atuam na conscientização dos cuidados básicos do pré-natal, do incentivo ao aleitamento materno, na alimentação salutar através da criação da multi-mistura, do soro caseiro, do acompanhamento com a pesagem sistemática dos nascituros. A proposta tem se espalhado pelo Brasil e conta com a adesão das comunidades onde atuam os Josefinos e as Murialdinas.

Sobre os avanços da redução da mortalidade infantil, os quadros brasileiros parecem, num primeiro momento, serem muito promissores. Basta ver: Em 1930, a taxa de mortalidade infantil no Brasil era estimada em 168%o. Em 1965, seu valor cai para 116%o. Em 1985 ela é de 62,9%o. Em 1980 é de 48,3%o. Em 2000 é de 35,3%o. Em 2006 passou para 25%o.

O Brasil também ganhou posições na situação mundial de luta pela redução desses índices. No ranking mundial sua colocação entre 194 países melhorou; isto tem se mostrado razoavelmente regular, segundo os dados divulgados pelo UNICEF, em diversos anos. Em 1960 ocupava a 60ª posição passando em 2006 para a 113ª colocação. Essas melhoria pode ser já um bom indicador mas não é o suficiente. Segundo o UNICEF o Brasil ainda possui o 3º maior índice de mortalidade infantil da América Latina; em situações piores estão somente a Bolívia e o Paraguai. Neste sentido, as reduções futuras na mortalidade infantil no País estão cada vez mais dependentes do que possa vir a ocorrer nas camadas da população e nas regiões mais pobres como Nordeste, principalmente quando se sabe dos obstáculos impostos pelas condições sociais e econômicas de suas populações à obtenção de reduções mais consistentes nos níveis da mortalidade. Ou seja, para uma estimativa global de 122.000 óbitos que ocorrem no País, mais de 60% são de crianças nordestinas o que, em termos relativos, representa o dobro de sua população no conjunto nacional.



5 Em 1998 existiam, no Brasil, 4.979.243 crianças e adolescentes trabalhadores do sexo masculino e 2.279.737 do sexo feminino. A grande maioria se concentrava na zona rural. Cerca de 1/3 dessas crianças estava fora da escola. In: SEDA, Edson e MOTTI, Ângelo. Estatuto da Criança e do Adolescente – Uma Década de Direitos – Avaliando Resultados e projetando futuro. Ministério da Justiça e UFMS, Campo Grande, 2001, p.169.

6 Sobre esses temas conferir: HUZAK, Iolanda e AZEVEDO, Jô. Crianças de Fibra. Ed. Paz e Terra, Rio de Janeiro, 3ª Edição, 2000.

7 VAZ. Marlene. In: Rompendo o Silêncio. Seminário Multiprofissional de capacitação Sobre Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. Estação Gráfica Ltda. São Luís. 1997.
 
 

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